Marcelo Ádams

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sábado, 22 de novembro de 2014

OS HOMENS DO TRIÂNGULO ROSA: crítica de Fabio Prikladnicki

 
Pedro Delgado (como Tio Freddie) e Marcelo Ádams (como Max) integram o elenco da produção          
Foto: Luciane Pires Ferreira / Divulgação
 

Opinião: Peça "Os Homens do Triângulo Rosa" resgata potencial transgressor do amor

Espetáculo da Cia. Teatro ao Quadrado aborda perseguição nazista aos homossexuais

Por Fabio Prikladnicki (Jornal Zero Hora/Clic RBS)
 
Conhecida no cenário gaúcho por espetáculos com textos modernos que se valem de um humor sarcástico e também por suas montagens de Molière, a Cia. Teatro ao Quadrado dá um passo adiante com a peça Os Homens do Triângulo Rosa, que estreou no Theatro São Pedro e depois cumpriu temporada no Teatro Renascença, em Porto Alegre. Desta vez, trata-se de um espetáculo seriíssimo, abordando a perseguição aos homossexuais na Alemanha nazista.
O tema é pertinente por dois motivos. Um deles é o pouco conhecimento que se tem, ainda hoje, sobre este episódio histórico. O segundo é que os homossexuais são, atualmente, alvo de violência sistemática nas ruas do Brasil, como salientou a diretora Margarida Peixoto antes da sessão a que assisti no Teatro Renascença. Assim, esse teatro político no melhor sentido – belo e transformador – faz bem a Porto Alegre.
Max (Marcelo Ádams) mora com o bailarino Rudy (Gustavo Susin), mas ambos têm de fugir de Berlim quando o cerco nazista aperta. Em meio a suas desventuras, Max vai parar no campo de Dachau, onde encontra um novo amor, Horst (Frederico Vasques). Antes de chegar ao campo, Max convence os soldados de que é judeu – a um custo doloroso – e ganha um uniforme com a estrela de Davi amarela. Assim, consegue ser mais bem tratado do que Horst e os outros homossexuais do campo, que levam o triângulo rosa.
Cabe destacar as atuações de Marcelo Ádams e Gustavo Susin. O primeiro acerta o tom especialmente nos momentos de maior intensidade, em um desempenho mais nuançado do que demonstrou recentemente em A Vertigem dos Animais Antes do Abate, também exibida neste ano. E cresce na segunda parte. Susin revela-se um ator particularmente versátil, capaz de incorporar, a cada novo espetáculo, papéis bastante distintos entre si. Seu Rudy é delicado e adorável. Frederico Vasques fica um pouco atrás como Horst, protagonista ao lado de Max e personagem exigente em força de expressão. Em tudo, aparece o trabalho seguro da direção de Margarida.
É impossível não se emocionar com o trecho em que Max e Horst fazem amor sem se tocar em um curtíssimo intervalo no trabalho forçado no campo. Valendo-se apenas da fala, eles redescobrem o potencial transgressor do amor erótico. Interpretada de forma extremamente sensível e respeitosa por Ádams e Vasques, a cena é uma das mais memoráveis já apresentadas nos palcos porto-alegrenses nos últimos tempos.
Uma nota deve ser feita sobre o texto da peça. O programa do espetáculo entregue aos espectadores informa que a dramaturgia foi "adaptada" de três fontes: Bent (1979), peça de Martin Sherman (levada ao cinema, com o mesmo título, em 1997), e os livros Triângulo Rosa – Um Homossexual no Campo de Concentração Nazista, de Rudolf Brazda e Jean-Luc Schwab; e Eu, Pierre Seel, Deportado Homossexual, de Pierre Seel.
Trata-se, no entanto, de uma montagem de Bent, do início ao fim, com pequenos acréscimos. Há uma intervenção maior no papel de Greta, a travesti amiga de Max, que canta Streets of Berlin no início da peça original e do filme. Em Os Homens do Triângulo Rosa, Greta (representada com graça e vigor por Gisela Habeyche) pontua todo o espetáculo com canções de Kurt Weill em letras recriadas por Marcelo Ádams e acompanhamento da ótima pianista Elda Pires, que também executa passagens instrumentais. O recurso de estender a presença de Greta até o fim torna-se complicado porque, em pouco tempo, ela perde sua função dramatúrgica. Sua figura misteriosa e extravagante combina mais com a festa da vida em Berlim antes da perseguição nazista, na primeira parte, e menos com a tragédia crescente do meio para o final.
A Cia. Teatro ao Quadrado se reinventa com um tipo de trabalho cada vez mais necessário na cena gaúcha: construído, acima de tudo, a partir de uma ideia clara. Fica demonstrado que o grupo tinha um projeto sólido em mente, que soube traduzir em uma cena estimulante e – artigo raro no mercado – socialmente relevante.

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